domingo, abril 14, 2013

São Francisco II - Eu e a ponte, a ponte e eu


Então ele veio, o tão especial terceiro dia que mudou minha relação com São Francisco para todo o sempre. Ainda era de manhã cedinho, um friozinho safado, tudo nublado e eu esbaforida pra pegar o bondinho pela primeira vez até o Pier 33, de onde saem os ferries em direção à ilha de Alcatraz. E aí eu chego na estação do bonde e, cara, ela está completamente tomada por turistas formando uma fila absurda de grande. Não tinha mais onde enfiar gente. Meu embarque no ferry tinha hora marcada e não ia rolar ficar esperando. Sorte que ali era a Market Street, uma das principais ruas da cidade e por onde passam os principais meios de transporte público. Bastou atravessar a rua e apelar para um outro tipo de bonde, mais parecido com um ônibus. Antigo, cheio de charme e fechado. Resumindo: fugi do frio, ganhei uma nova experiência em locomoção e ainda cheguei ao píer na hora certa. Ponto pra Marcelinha!

Sério, estava um frio tão bizarro nesse dia que ficar na parte de fora do ferry pra tirar fotos da ilha de Alcatraz se aproximando era um desafio e tanto. O barco vai chegando mais perto, a gente não para de tirar fotos, mas também vai dando um certo medinho. Parece que a ilha está abandonada, com aqueles prédios de cor pálida cheios de janelas fechadas. O maior silêncio. Só se ouve o barulho do motor. E o tempo super nublado formando uma aura ainda mais assustadora.
Alcatraz, super acolhedora

Aliás, Alcatraz tem por si só uma atmosfera meio estranha. Ainda assim, é um passeio imperdível em São Francisco. Ao andar por seus corredores gélidos, observando todas aquelas celas, é impossível não imaginar como era Alcatraz em sua época mais ativa. O áudio-guia (tem em português!) é um material riquíssimo: informa o trajeto que deve ser percorrido no interior da prisão (celas, solitárias, refeitório, biblioteca, postos de visitas) e conta várias histórias de tentativas de fuga, todas fracassadas, algumas impressionantes. Também há alguns testemunhos de ex-detentos narrados por umas pessoas com um sotaque tão forrrrrrte do interiorrrrrr do Brasil que chega a ser diverrrrrrrtido. Na parte final do tour a gente visita uma parte externa do prédio principal, próxima à baía. E para minha surpresa, o céu estava azul! O dia de repente ficou lindo e claro, e a vista pra cidade e seu skyline, embaixo daquele solzinho, me fez muito feliz!

Esta manhã em São Francisco já me cativou totalmente. De volta à cidade, eu era um ser esverdeado de tanta fome. Segui uma dica de alguém na internet e fui ao Pier 39 experimentar a famosa clam chowder. Pier 39 é um lugar de turistas, bonitinho e reformado, com um aquário, vários restaurantes de frutos do mar (afinal, SF vive disso), barracas de frutas, lojinhas, banquinhos ao ar livre, vista da baía e de vários grupos de leões marinhos fofinhos tomando um solzinho. Ou seja, adorei. E clam chowder... ah, clam chowder. É uma sopa de moluscos, cebola, aipo, batata e bacon servida no pão. É a coisa mais incrivelmente deliciosa que se come nessa cidade. O sanduíche de caranguejo não fica muito atrás na minha preferência, mas a chowder abusa do direito de ser boa. E se eu já era feliz de manhã, eu era muito feliz depois do almoço. Um passeio pela região me levou ao Fisherman’s Wharf (também famoso pela culinária) e finalmente à Ghirardelli Square, onde ficava a fábrica e hoje fica a loja/lanchonete do melhor chocolate de São Francisco. Eu só conhecia a fama, mas foi entrar na lojinha e ganhar uma amostra pra ter vontade de comprar tudo. Meu paladar indo ao céu e voltando mil vezes de tanto contentamento.

Chegou também o momento mais esperado por mim. Aluguei uma bike, a Francisca, e fui seguindo todo o longo percurso da Marina ao Presidio me sentindo atleta, mas alguns trechos têm umas subidas puxadíssimas. É bastante cansativo, mas eu não desisti. Afinal, ao longe eu já conseguia ver meu objetivo, aquela coisa imponente que se confunde com a paisagem: Golden Gate Bridge. Ela existe! Ela é enorme. E é linda, muito mais do que eu poderia imaginar. Como pode a pessoa cair de amores por uma ponte, me explica? Abrindo aqui ainda mais meu coração cheio de milhas: atravessar a Golden Gate de bicicleta foi um dos momentos mais mágicos de todas as minhas viagens. Não parou de ventar forte nem um minuto, o sol estava todo esplendoroso refletindo nas águas azuis da baía e eu esqueci o cansaço. Fui tomada por uma onda tão grande de energia, de satisfação, uma felicidade tão intensa, que eu não conseguia parar de pedalar. E soltava uns gritos de alegria (ainda bem que a ciclovia estava quase vazia, pois eu parecia uma louca) e não sabia se ria ou chorava porque tudo fugia ao meu controle e acontecia ao mesmo tempo. Eu olhava pra cima e via aquela estrutura toda laranja contrastando com o azul do céu. Vento e sol no rosto, lágrimas e sorrisos. Eu era a pessoa mais feliz do mundo. E a mais descontrolada. (Nossa, esse relato ficou a maior viagem. Parece até que eu fumei alguma coisa).

E aí que do outro lado da Golden Gate Bridge fica Sausalito, uma cidade pequena e tranquila, com algumas subidas e descidas um tanto íngremes. Quando a subida era muito puxada, eu saltava da bicicleta e ia andando, empurrando minha companheira rua acima. Menor chance de fazer um esforço maior nesse momento. Chegando na avenida principal, onde fica o porto de onde sai o ferry pra São Francisco, fiquei com medo de seguir pela rua e subi a calçada de bike. Tomei esporro de uma senhorinha. Ela estava certa; eu, errada. O barco tinha horário certo pra sair e eu tinha horário limite pra devolver a bicicleta. A luz foi caindo, foi ficando mais frio, o tempo foi passando e nada do ferry. Comecei a ficar meio tensa vendo São Francisco se iluminando lá do outro lado da baía e eu com a bike ainda em Sausalito. Quando chegou a embarcação, quase meia hora depois, liguei desesperada pra loja gastando todo o meu inglês, dando um monte de desculpas e pelo amor de Deus não me cobrem multa, a culpa foi do ferry bla bla bla. Tudo certo. Os mocinhos eram muito compreensíveis e fui recebida na loja com uma salva de palmas. Ok que eles aplaudiam todo mundo que chegava pra devolver as bikes, mas eu me senti super vitoriosa.

Último dia em São Francisco, a cidade que agora eu já amava. Saí caminhando por entre os prédios enormes do financial district até o famoso Ferry Building, a principal construção do porto de SF, e finalmente peguei meu primeiro bonde clássico. A linha que sai da Embarcadero Station faz um percurso ridiculamente pequeno, mas segue ladeirona acima pela California Street rumo à região de Pacific Heights. E andar de bonde em São Francisco é muito legal! Mesmo quando o condutor está em fase de treinamento e você acha que o bonde não vai se segurar no trilho e vai sair desembestado rua abaixo. Pacific Hights é bonito, viu? Bairro de gente fina, gente chique, gente elegante. Casas vitorianas, ruas agradáveis, pouca agitação e a Alta Plaza, no ponto mais alto dali, uma grande praça “onde a elite de SF gosta de relaxar”, segundo o meu guia. Opa, então foi lá mesmo que eu sentei num banquinho com vista privilegiada pra baía, fiz um lanchinho (pobreza invadindo o território da elite) e descansei feito diva.

No solzinho do fim da tarde, mais um bonde pra voltar ao hostel. Dessa vez na linha maior (que sai da Hyde Street em frente à Ghirardelli Square) e de pé, penduradinha nos ferros do bonde, que nem o povo faz nos filmes. Não só eu, né? A turistada toda curte fazer isso. Fica bombando de gente de pé segurando nos ferrinhos e curtindo a brisa no rosto. Mais tarde, no aeroporto, não tinha como não pensar naqueles primeiros dias de viagem. A costa leste dos EUA estava à minha espera, mas meu coração já apertava de saudades do lado oeste. Não queria ir embora. Não queria deixar a Califórnia pra trás. 

sábado, abril 13, 2013

São Francisco I - Vento, ventania

“If you’re going to San Francisco...”

São Francisco era o lugar que eu mais queria conhecer nessa viagem. Vai ver foi por causa dessa mega expectativa que à primeira vista não achei nada de mais. Mas graças aos deuses padroeiros dos viajantes essa ideia inicial foi embora pra sempre. Passei quatro dias lá e só a partir do terceiro a cidade me fez gostar dela de verdade. Mas também, quando comecei a gostar, foi uma coisa tão intensa que eu pude ver e sentir que o tanto que falam sobre ela tem toda razão de ser dito. 

São Francisco é a estrela do Estado da Califórnia. As ruas são uma graça, as casas vitorianas são fofas, os bondes são um charme e a vista pra baía e pra Golden Gate é realmente de tirar o fôlego. Então, por que cargas d’água eu demorei dois dias pra me encantar com isso tudo? Não sei. Assim que desembarquei, foram 500 voltas no aeroporto até encontrar o lugar correto do shuttle, já que as placas não ajudavam. Depois disso, mais um trânsito absurdo até a cidade. Estava sol, mas o vento constante que bate congela seus ossinhos. Aposto que as roupas secam rapidinho por aqui. Cheguei no hostel, abri a porta do quarto e achei que um vendaval havia atingido tudo. Parecia um cenário pós-twister. Não havia espaço livre no chão. Estava tudo tomado por roupas, papel, latas de cerveja, pacotes de biscoito. Gente, São Francisco está em guerra e ninguém me avisou? Devo ter ficado um tempo parada na porta, olhando abismada praquela confusão toda. Então um alemãozinho, meu roommate, já veio me cumprimentando cheio de simpatia. Quando perguntei o que havia acontecido ali, ele deu uma risadinha e fez uma mea culpa em nome dos meninos do quarto.
E eu fui andar, né? Que é o que mais faço nessa vida de mochileira. Chinatown, com seus prediozinhos característicos do oriente e uma infinidade de produtos on sale, quase nada de muito útil. Ok, eu nunca gostei de nenhuma chinatown e tenho implicância com todas, admito. Não é por mal. Eu só não acho a menor graça. E ainda foi o primeiro lugar que visitei em São Francisco. Aí depois não gosto tanto da cidade e não sei o porquê... affff! Ok, dessa vez a culpa foi minha. Sei lá, acho que tenho uma esperança de encontrar uma chinatown de que eu goste. Essa, especificamente, fica bem próxima ao financial district e, também confesso, os prédios de escritórios me chamaram muito mais a atenção. Não tem como não admirar a arquitetura bizarra da Transamerica Pyramid. Pra mim ela é um dos grandes (enormes, aliás) símbolos da cidade.

Painel na Coit Tower
Uma outra marca de lá, que de fato marcou todos os meus passos, mentalmente e fisicamente, são as ladeiras. Meu Pai eterno. A geografia de São Francisco é praticamente um trilho interminável de algum brinquedo radical da Disney. “A cidade é cheia de ladeiras”, é o que a gente sempre ouviu falar. Mas só chegando aqui pra perceber que não é brincadeira. Algumas ruas estão dispostas num ângulo que não dá pra acreditar como os pedestres e os veículos não saem rolando até lá embaixo. E pra subir, gente? Pra chegar à Coit Tower, uma torre de observação que, obviamente, fica zilhões de metros acima da normalidade, no alto de Telegraph Hill, foi preciso educar meu cérebro e meu corpo e convencê-los de que eram capazes de passar a pé por tamanho sacrifício. Deu certo. A subida foi árdua e lenta. Alcancei a torre com um palmo de língua pra fora, mas valeu a pena. Os painéis gigantes pintados no saguão e a vista que se tem do mirante valem todas as calorias perdidas. Viajar também é vencer nossos próprios limites... rsrs

Continuando no assunto ladeira (porque são muitas mesmo, então o tema rende), São Francisco tem a Lombard Street, a rua mais diferente de todas. Justamente por ser a mais íngreme teve que ser feita em curvas e é famosa por ser a mais sinuosa do mundo. Então os carros vão passando bem devagar e a turistada vai tirando fotos. E pra chegar lá, adivinha?, sobe-se uma outra ladeira pesada. Ainda era meu primeiro dia na cidade, mas a essa altura (literalmente!) do campeonato, eu já traçava meu percurso tentando passar pelas transversais às piores ladeiras, observando o que era subida e buscando as descidas. Toda trabalhada no planejamento estratégico.

À noite, os alemães bagunceiros do quarto se tornaram meus melhores amigos. Eram dois engraçadíssimos e sem noção alguma que me fizeram gargalhar a noite toda, além de um terceiro calmo e sereno. Esse último foi minha companhia durante todo o dia seguinte na visita ao California Academy of Sciences e sua fila de duas horas porque era o único dia do mês com entrada gratuita. As principais atrações do museu são um simulador de terremoto e a exibição de filmes na cúpula do planetário. Tudo usando a cidade como exemplo. Demais! Depois fomos caminhando por toda a extensão do Golden Gate Park até Ocean Beach. Longe, viu? E estava um frio bacana, com gente encasacada acendendo fogueira na areia, e nem era pra ficar tocando violão em volta. No fim do dia, de volta ao hostel, encontrei Eva, a suíça que estava no meu quarto em San Diego. Posso ficar me repetindo e dizer que eu simplesmente adoro esses encontros fortuitos pelo mundo, em que estou num país que não é o meu e esbarro com um conhecido que também vem de outro lugar? É muito louco. E é bom à beça! A atividade desta noite no hostel era cinema + ice cream for free. E dessa forma terminamos o dia. O alemão, a suíça e a brasileira. Não sei se dormi muito durante o filme, mas ele terminou sem fazer o menor sentido. Pelo menos tomamos sorvete de graça.

Só pra deixar bem enfatizado: faz frio mesmo em SF. Não é frio de neve. É frio de vento. Como diz um personagem do filme "Alcatraz - Fuga impossível", "um amigo disse que o inverno mais rigoroso que ele enfrentou foi um verão em São Francisco". Ou seja, for those who come to San Francisco, be sure to wear... A SWEATER!