Então ele veio, o tão especial terceiro dia que mudou minha relação com São Francisco para todo o sempre. Ainda era de manhã cedinho, um friozinho safado, tudo nublado e eu esbaforida pra pegar o bondinho pela primeira vez até o Pier 33, de onde saem os ferries em direção à ilha de Alcatraz. E aí eu chego na estação do bonde e, cara, ela está completamente tomada por turistas formando uma fila absurda de grande. Não tinha mais onde enfiar gente. Meu embarque no ferry tinha hora marcada e não ia rolar ficar esperando. Sorte que ali era a Market Street, uma das principais ruas da cidade e por onde passam os principais meios de transporte público. Bastou atravessar a rua e apelar para um outro tipo de bonde, mais parecido com um ônibus. Antigo, cheio de charme e fechado. Resumindo: fugi do frio, ganhei uma nova experiência em locomoção e ainda cheguei ao píer na hora certa. Ponto pra Marcelinha!
Sério, estava um frio tão bizarro nesse dia que ficar na parte de fora do ferry pra tirar fotos da ilha de Alcatraz se aproximando era um desafio e tanto. O barco vai chegando mais perto, a gente não para de tirar fotos, mas também vai dando um certo medinho. Parece que a ilha está abandonada, com aqueles prédios de cor pálida cheios de janelas fechadas. O maior silêncio. Só se ouve o barulho do motor. E o tempo super nublado formando uma aura ainda mais assustadora.
Alcatraz, super acolhedora |
Esta manhã em São Francisco já me cativou
totalmente. De volta à cidade, eu era um ser esverdeado de tanta fome. Segui
uma dica de alguém na internet e fui ao Pier 39 experimentar a famosa clam
chowder. Pier 39 é um lugar de turistas, bonitinho e reformado, com um aquário,
vários restaurantes de frutos do mar (afinal, SF vive disso), barracas de
frutas, lojinhas, banquinhos ao ar livre, vista da baía e de vários grupos de
leões marinhos fofinhos tomando um solzinho. Ou seja, adorei. E clam chowder...
ah, clam chowder. É uma sopa de moluscos, cebola, aipo, batata e bacon servida
no pão. É a coisa mais incrivelmente deliciosa que se come nessa cidade. O
sanduíche de caranguejo não fica muito atrás na minha preferência, mas a
chowder abusa do direito de ser boa. E se eu já era feliz de manhã, eu era muito
feliz depois do almoço. Um passeio pela região me levou ao Fisherman’s Wharf
(também famoso pela culinária) e finalmente à Ghirardelli Square, onde ficava a
fábrica e hoje fica a loja/lanchonete do melhor chocolate de São Francisco. Eu
só conhecia a fama, mas foi entrar na lojinha e ganhar uma amostra pra ter
vontade de comprar tudo. Meu paladar indo ao céu e voltando mil vezes de tanto
contentamento.
Chegou também o momento mais esperado por mim.
Aluguei uma bike, a Francisca, e fui seguindo todo o longo percurso da Marina
ao Presidio me sentindo atleta, mas alguns trechos têm umas subidas
puxadíssimas. É bastante cansativo, mas eu não desisti. Afinal, ao longe eu já
conseguia ver meu objetivo, aquela coisa imponente que se confunde com a paisagem:
Golden Gate Bridge. Ela existe! Ela é enorme. E é linda, muito mais do que eu
poderia imaginar. Como pode a pessoa cair de amores por uma ponte, me explica?
Abrindo aqui ainda mais meu coração cheio de milhas: atravessar a Golden Gate
de bicicleta foi um dos momentos mais mágicos de todas as minhas viagens. Não
parou de ventar forte nem um minuto, o sol estava todo esplendoroso refletindo
nas águas azuis da baía e eu esqueci o cansaço. Fui tomada por uma onda tão
grande de energia, de satisfação, uma felicidade tão intensa, que eu não
conseguia parar de pedalar. E soltava uns gritos de alegria (ainda bem que a ciclovia
estava quase vazia, pois eu parecia uma louca) e não sabia se ria ou chorava
porque tudo fugia ao meu controle e acontecia ao mesmo tempo. Eu olhava pra
cima e via aquela estrutura toda laranja contrastando com o azul do céu. Vento
e sol no rosto, lágrimas e sorrisos. Eu era a pessoa mais feliz do mundo. E a
mais descontrolada. (Nossa, esse relato ficou a maior viagem. Parece até que eu
fumei alguma coisa).
E aí que do outro lado da Golden Gate Bridge
fica Sausalito, uma cidade pequena e tranquila, com algumas subidas e descidas
um tanto íngremes. Quando a subida era muito puxada, eu saltava da bicicleta e
ia andando, empurrando minha companheira rua acima. Menor chance de fazer um
esforço maior nesse momento. Chegando na avenida principal, onde fica o porto
de onde sai o ferry pra São Francisco, fiquei com medo de seguir pela rua e
subi a calçada de bike. Tomei esporro de uma senhorinha. Ela estava certa; eu,
errada. O barco tinha horário certo pra sair e eu tinha horário limite pra
devolver a bicicleta. A luz foi caindo, foi ficando mais frio, o tempo foi
passando e nada do ferry. Comecei a ficar meio tensa vendo São Francisco se
iluminando lá do outro lado da baía e eu com a bike ainda em Sausalito. Quando
chegou a embarcação, quase meia hora depois, liguei desesperada pra loja
gastando todo o meu inglês, dando um monte de desculpas e pelo amor de Deus não
me cobrem multa, a culpa foi do ferry bla bla bla. Tudo certo. Os mocinhos eram
muito compreensíveis e fui recebida na loja com uma salva de palmas. Ok que
eles aplaudiam todo mundo que chegava pra devolver as bikes, mas eu me senti
super vitoriosa.
Último dia em São Francisco, a cidade que agora
eu já amava. Saí caminhando por entre os prédios enormes do financial district
até o famoso Ferry Building, a principal construção do porto de SF, e finalmente
peguei meu primeiro bonde clássico. A linha que sai da Embarcadero Station faz
um percurso ridiculamente pequeno, mas segue ladeirona acima pela California
Street rumo à região de Pacific Heights. E andar de bonde em São Francisco é
muito legal! Mesmo quando o condutor está em fase de treinamento e você acha
que o bonde não vai se segurar no trilho e vai sair desembestado rua abaixo. Pacific
Hights é bonito, viu? Bairro de gente fina, gente chique, gente elegante. Casas
vitorianas, ruas agradáveis, pouca agitação e a Alta Plaza, no ponto mais alto
dali, uma grande praça “onde a elite de SF gosta de relaxar”, segundo o meu
guia. Opa, então foi lá mesmo que eu sentei num banquinho com vista
privilegiada pra baía, fiz um lanchinho (pobreza invadindo o território da
elite) e descansei feito diva.
No solzinho do fim da tarde, mais um bonde pra
voltar ao hostel. Dessa vez na linha maior (que sai da Hyde Street em frente à
Ghirardelli Square) e de pé, penduradinha nos ferros do bonde, que nem o povo
faz nos filmes. Não só eu, né? A turistada toda curte fazer isso. Fica bombando
de gente de pé segurando nos ferrinhos e curtindo a brisa no rosto. Mais tarde,
no aeroporto, não tinha como não pensar naqueles primeiros dias de viagem. A
costa leste dos EUA estava à minha espera, mas meu coração já apertava de
saudades do lado oeste. Não queria ir embora. Não queria deixar a Califórnia
pra trás.
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